Movimentos Negros e a Consciência Negra no Rio Grande do Sul
Na década de 1970, um grupo de jovens se reuniu em Porto Alegre, em um endereço histórico: Rua Tomás Flores, 303. Esse encontro resultou na formação do Grupo Palmares, um marco importante na luta pelos direitos da população negra no Rio Grande do Sul. Entre os membros estavam nomes como Oliveira Silveira e Antônio Carlos Côrtes.
A quarta e última reportagem do Especial Raízes explora como o movimento negro gaúcho contribuiu para a consolidação do 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra, uma data que representa a luta contra a discriminação e pela valorização da cultura afro-brasileira.
A Luta e a Crítica ao 13 de Maio
Antônio Côrtes, um dos últimos membros do Grupo Palmares, revela que a então nova geração lutava contra o que consideravam uma falácia: a Lei Áurea de 1888, que aboliu a escravidão, mas não trouxe políticas para garantir a inclusão social dos libertos. Côrtes explica que as celebrações em torno do 20 de novembro eram uma forma de rejeitar o 13 de maio. Um dos primeiros eventos relevantes aconteceu no Clube Náutico Marcílio Dias, um espaço de resistência negra, onde a busca por resgatar a história e a identidade afro-brasileira começou a ser promovida.
Em 1972, um marco na luta foi a publicação de uma edição especial do jornal Zero Hora, que destacou a cultura e a importância do povo negro. O movimento ganhou força com a mobilização do Movimento Negro Unificado (MNU), mas foi apenas em 2011 que a data foi oficialmente reconhecida como Dia da Consciência Negra. A transformação mais recente ocorreu em 2023, quando se tornou feriado nacional, após a sanção do presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Reconhecimento e Desafios
A nova lei é considerada um avanço significativo na luta contra o racismo, mas Côrtes alerta que ainda há muito a conquistar para garantir a igualdade e a valorização da cultura negra. Ele enfatiza que, quando o Brasil reconhecer suas injustiças históricas e der espaço à criatividade e talento da comunidade negra, poderá se tornar uma potência mundial.
A Presença Negra no Rio Grande do Sul
Embora o Rio Grande do Sul seja frequentemente visto como um estado predominantemente europeu em termos de imigração, os dados mostram que cerca de 20% da população é composta por negros. O jornalista e pesquisador Deivison Campos explica que essa visão distorcida é herança de um “projeto de branqueamento” que prometia a eliminação da população negra ao longo do século 20, o que não se concretizou. A luta contra o racismo estrutural ainda é necessária, visto que os corpos negros são frequentemente os mais vulneráveis.
Movimentos históricos como o jornal O Exemplo, fundado em 1892 para defender os direitos da população negra, e a União dos Homens de Cor, criada em 1943, desempenharam papel crucial na luta antirracista no estado.
O Legado de Zumbi dos Palmares
O dia 20 de novembro é também uma homenagem a Zumbi dos Palmares, um líder quilombola importante na resistência contra a escravidão, morto em 1695. A figura de Zumbi é reverenciada como um mártir da luta pela liberdade. O sentimento de ligação cultural é evidente hoje em várias expressões artísticas, incluindo festas, rap e Carnaval, embora ainda faltem reconhecimento e valorização.
O Papel das Comunidades Quilombolas
Em Pelotas, a cidade que historicamente teve um elevado número de trabalhadores escravizados, o 20 de novembro foi consolidado como um símbolo de resistência. As comunidades quilombolas locais, que têm uma rica história de luta e resistência, são fundamentais na formação de uma identidade afro-gaúcha. Professoras e ativistas, como Claudia Daiane, afirmam que é vital ressaltar essa articulação histórica e combater a narrativa que ofusca a presença negra na cidade.
Além disso, Pelotas abriga um ativo movimento carnavalesco, com mais de 40 entidades e a juventude negra exercendo papéis de liderança. A pesquisadora destaca que a juventude é essencial para moldar um futuro democrático, livre de preconceitos.
Desafios Persistentes
Apesar dos avanços, as marcas da colonização e do passado escravista ainda se manifestam no presente. Claudia Daiane observa que Pelotas ainda é vista como uma cidade de colonização branca, o que contribui para um apagamento da história negra e indígena. Esse discurso perpetua a invisibilidade de uma parte significativa da população e a luta pela igualdade e reconhecimento continua.
Com a crescente mobilização de diferentes frentes sociais, o movimento negro gaúcho segue buscando visibilidade e respeito à sua história e cultura, refletindo a luta pela dignidade e direitos da população negra no estado e no país.